É TUDO VERDADE!
No final do séc. XVIII, enquanto na França se constituía a Revolução Francesa, centenas de navios negreiros chegavam ao Brasil. Dicotomia que ainda hoje se faz presente, visto que é mais fácil encontrar livros didáticos e programas escolares brasileiros relacionados à Revolução Francesa do que a escravidão ou cultura indígena. É neste fluxo do não reconhecimento das origens que seguimos em giro cooptando gerações silenciadas a assumirem um passado velado.
Em um país com um governo ilegítimo, discorrer sobre nossa história e o atual momento é quase um delito, visto que passado mais de um século da abolição, a ordem de comando persiste a mesma: “não pense, trabalhe”. Neste sentido, segue sendo mais fácil construir o Museu do Amanhã com investimentos na casa dos 215 milhões, do que manter vivo o Instituto dos Pretos Novos com uma ajuda de 60 mil reais por ano. Parafraseando Caetano Veloso: o que era ainda construção agora já é ruína.
Tendo em vista as práticas do Porto Maravilha e toda sua representação simbólica, Gustavo von Ha apresenta uma instalação que nos atenta para seus acontecimentos, que até hoje seguem narrados por ações criminosas. É na contramão daquilo que nos é entregue como verídico e sedutor que o artista aponta para este local marcado por um porto escravocrata, construído no ano de 1811 adjacente ao mercado de escravos, por onde passaram centenas de milhares de africanos aprisionados para serem negociados.
É ao encontro deste passado que VLNGO se estrutura, porém de forma poética e científica. O artista joga luz nessa questão através de objetos encontrados no local e misturados com outros similares de diferentes lugares, todos higienizados para manuseio ou restaurados, catalogados e com suas auras fotografadas. São peças, artefatos, materiais e fotografias que constroem uma identidade brasileira subjugada pelo olhar daquele que vem de fora.
VLNGO discute o abafamento da palavra não dita, que reprime a subjetividade do indivíduo e sua atuação no mundo. Trata-se de uma exposição que aponta para o esvaziamento de nossa narrativa histórica, recoberta de aura, numa contemporaneidade onde é tudo verdade.
Paula Borghi
curadora

