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Daily Mirror (s)

Vista da Instalação dimensões variáveis Centro Cultural Parque das Ruínas

Vista da Instalação Esfera em resina e prata, grafite 100cm de diâmetro

[detalhe] holografia sobre bijoux e veludo Centro Cultural Parque das Ruínas

[detalhe] holografia sobre bijoux e veludo Centro Cultural Parque das Ruínas

[detalhe] holografia sobre bijoux e veludo Centro Cultural Parque das Ruínas

[detalhe da Instalação] resina acrílica, pintura vitral e espelho 44cm de diâmetro

Vista da Instalação dimensões variáveis Centro Cultural Parque das Ruínas

Vista da Instalação dimensões variáveis Centro Cultural Parque das Ruínas

Vista da Instalação dimensões variáveis Centro Cultural Parque das Ruínas
As duas faces do refletir
A multiplicidade de percepções habita o trabalho de Gustavo von Ha, numa alquimia criativa para a qual convergem reflexos múltiplos, convidando o espectador a diversas experiências sensíveis e imaginativas. Sua instalação Daily Mirror(s), é um site-specific, e abre novas perspectivas dentro de sua obra — mostra combinações fragmentadas e misteriosas ambiguidades.
A série de “bolas” espelhadas é fruto de uma elaboração primorosa. Von Ha faz uso de novas tecnologias, a partir de material industrial como o acrílico, metalizando a superfície da esfera, e isto faz surgir um espelhamento comandado cuidadosamente pelo artista, que, por sua vez, não perde de vista seu objeto principal: a pintura. Seu gestual envolve pinceladas e cores, de delicada sutileza. As várias camadas de pintura que o artista introduz nas “bolas” — rosa, magenta, verde, violeta e azul profundo — revelam seu trabalho íntimo no embate de seu gesto pictural e o espelhamento de imagens análogas. Ali, processam-se os reflexos que vão modificando o trabalho ao tempo todo, conforme a luz e a paisagem.
A pintura/desenho sobre espelhos de Von Ha teoriza e põe em prática a forma dos antigos calígrafos, criando códigos e sinais de imagens do cotidiano de qualquer artista plástico, de modo a fazer com que o desenho nos espelhos apareça como uma inscrição gráfica do gesto, como base na soma dos planos convexos dos reflexos.
Pode-se observar que, em escala reduzida, as bolas pintadas e assim dispostas originam uma apresentação serial de diversas variações de fragmentos do mundo real. E, dessa forma, arremessam o espectador para dentro de um novo campo, no interior de dois focos simultâneos. Esta ambiguidade certamente inspira o espectador a se mirar, negar e confirmar, como na experiência de Alice, num mundo renovado que reflete a fugacidade ótica da esfera e da expansão dos reflexos, já que o artista constrói um espelhamento ilusório através de exercícios de densidade e imagem.
O trabalho de Von Ha transforma o espaço em espetáculo e a instalação ultrapassa a contemplação, imersa em imagens reflexas e convexas que expandem a limitação do que é possível ver na arte contemporânea — assim como a transitiva relação entre arte e sociedade. Sua obra sugere uma abertura ao movimento, dando margem ao surgimento de novos mecanismos de percepção estética, como a fragmentação da cultura contemporânea, por exemplo. Por meio de diversas variações de fragmentos do mundo real, o artista vai arremessando o espectador para diversos focos simultâneos, e com isso dá corpo a uma força externa, a “sombra do outro”, a ilusão de realidade… e a obra se instala ali, no momento de suas próprias visões.
Não dá para esquecer as influências de Warhol, da pop americana, Leonilson, Leda Catunda e as questões diferenciadas de Anish Kapoor. Von Ha vai deslindando imagens e, nessa atmosfera paradoxal, vai exalando o que jaz latente nas nossas retinas, nas memórias, nas dissonâncias, as sensações existenciais e universais do tédio cotidiano. Com isso, sua obra permanece no imaginário de quem corre com caminhos espelhados. O espectador tem a oportunidade de se confrontar com o dar e o viver e de vislumbrar, no duplo, no jogo de espelhos, na pulsão dinâmica da própria vida.
Inacessíveis e dessassociadas, as imagens fugazes vão sendo reeditadas em um processo de autodescoberta, em um movimento contínuo e sem interrupção. Percebe-se, assim, um olhar quase lúdico, que convida o espectador de se confrontar com a ambiguidade de seu próprio ser. Reveladas, então, múltiplas visões de imagens, tais sugestões de múltiplas visões de imagens são absorvidas e celebram a figura do homem e a identidade de forma imposta. O homem, em espelho, caminha com o vazio, onde digerir sua existência no limite do espelhamento.
Os reflexos dos espelhos se multiplicam em encruzilhadas de um labirinto visual como se estivéssemos na Sala dos Espelhos de Versailles. E para confundir e criar uma ambientação mais experimental, Von Ha insere na mostra um vídeo realizado em agosto de 2006, fazendo com que as imagens filmadas interpenetrem as imagens e reflexos diversos da instalação.
No vídeo, uma figura feminina e diáfana, filmada pelo artista nos gramados do Central Park, circula por entre bolhas de sabão e bolhas espelhadas verdes e roxas. Mesmo que seja no plano dos devaneios, estas imagens vão estimulando a possibilidade de contraponto para explorar o espaço dos outros. Ali, o olhar se coloca a serviço das imagens e não o contrário. Esta projeção, no meio da instalação, desloca a questão da paisagem para dentro do espaço. E cria outra superfície que vê imagens projetadas para novos scripts que se refletem nas bolas translúcidas e espelhadas do chão e das paredes. Esta extração/incrustação opera em determinado estágio de consciência: a projeção nos sobrepassa, passivamente, transportando flashes e jogando-os para fora.
O excesso de informações, que deveria resultar em imagens intrusas, na realidade confere uma metamorfose de imagens, algo que poderíamos considerar “a simulação da vida contemporânea”. A instalação, desse modo, corporifica a comunicação de mensagens, retifica a constante inserção de dados, o excesso de ondas mediáticas e o acúmulo de informações… Na realidade, as bolas espelhadas poderiam receber a designação, talvez, de “projetores e prolongadores da ação dos reflexos”.
A volumetria das esferas espelhadas se transfere para uma superfície de ilusão, decodificando o espaço em movimento topológico. O gramado do Central Park, com as bolas verdes translúcidas, e as imagens luminosas surgem em intercepções efêmeras no espaço da natureza. Neste momento, introduz-se a confusão entre realidade e representação na “alegoria da caverna” do pensamento platônico.
Conceituando esta proposta “relatividade”, Von Ha expõe, pela primeira vez, uma holografia, a Caixa de Pandora, uma imagem virtual em seu estado puro, com a qual ratifica a posição do artista enquanto criador de ilusões, duplicando e desmaterializando a obra de arte. Aqui, a imagem é real, está para fisicalidade. Realizada com dois espelhos côncavos metalizados por dentro e pintados de preto por fora, esta holografia — método descoberto e desenvolvido pelo norte-americano Bob Krick, em Michigan, em 1977 — é percebida por nossos olhos como uma imagem dialética do passado e do agora, do real e do irreal, e do princípio do infinito.
Em outras palavras, a projeção da imagem real surge concretamente; não é ilusão, mas se constitui em uma lembrança do presente de mundos paralelos, se mantém no mistério e traduz a ansiedade do vir-a-ser.
De fato, Von Ha viabiliza a mistura de focos e interferências que enriquecem nossa experiência, estabelecendo contatos e criando uma ponte em que se destaca a imagem de determinação imutável do aqui-e-agora.
Cristina Burlamaqui
Rio de Janeiro, novembro de 2006

