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Como transformar cópias em originais

SEGUNDA GERAÇÃO
Desenhos da artista modernista Tarsila do Amaral são copiados por Gustavo von Ha e adquiridos pelo MAC-USP.

ESPELHISMOS

Desenho de Von Ha, que inverte a imagem original de Leonilson

Sem ser falsificador profissional, Gustavo von Ha vende desenhos copiados de Leonilson e de Tarsila do Amaral e discute sistema de direitos autorais.

 

por Paula Alzugaray

ISTOÉ | ARTES VISUAIS |  N° Edição:  2221 |  01.Jun.12 

Para copiar os 23 desenhos de Tarsila do Amaral (1888-1973) e os 16 de Leonilson (1957-2003) que estão atualmente expostos na Galeria Leme, em São Paulo, o artista paulista Gustavo von Ha passou meses estudando os gestos, as técnicas e os traços de cada artista. “Fazendo esse trabalho, me senti um ator. Para chegar à intensidade empreendida pelos lápis de cada um deles, tive que forjar uma simulação até mesmo em minha postura corporal”, afirma Von Ha à Istoé. A exposição denominada “T.L.” – as iniciais de Tarsila e Leonilson, que algumas vezes assinavam só com letras – é o resultado de uma pesquisa do artista sobre sistemas de reprodução de imagem e da arte na atualidade.

 

Mas os desenhos resultantes dessa pesquisa são muito mais do que cópias. De fato, seriam apenas cópias, não fosse por um pequeno detalhe: o artista aplicou-lhes um efeito de espelho e assim as reproduções aparecem em posição invertida em relação aos originais. A partir desse gesto simples de inversão, Von Ha garante sua autoria sobre as imagens e balança um sistema de convicções sobre o estatuto da cópia e da autoria – e, de quebra, da verdade e da mentira, da ficção e da realidade. Com isso, entra em sintonia com uma discussão que já data quase 100 anos – começou com Walter Benjamine Roland Barthes em meados do século 20 – e hoje explodiu com as mídias digitais. 

 

“O mundo da lei é muito restrito. Autores como Roland Barthes nos falam que uma mesma obra, por mais original que seja, nunca é fruto de uma autoria única. Ela sempre traz outras referências. As leis de direitos autorais, constituídas no ápice do Iluminismo, pensam o autor como um sujeito estanque, com direito a proteção a sua propriedade e por isso são menos dinâmicas”, afirmou Luciana Rangel, advogada especialista em direitos autorais, convidada a debater com von Ha, no sábado 26, as mudanças que o conceito de originalidade vem sofrendo em tempos de reprodução digital.

 

Von Ha começou esse trabalho em 2009, a partir de imagens de desenhos de Tarsila do Amaral pesquisadas no Google. Depois, ampliou sua pesquisa para catálogos raisonées e livros. 

 

Por que Tarsila e Leonilson? “Porque os dois são artistas célebres – e por isso muito visados – e também porque fizeram desenhos para serem reproduzidos em série”, explica o artista. Os desenhos de Tarsila escolhidos foram produzidos em sua época para serem publicados em livros como “Pau Brasil” (1924), de Oswald de Andrade, e os de Leonilson para ilustrar a coluna de Bárbara Gancia, no jornal “Folha de S.Paulo”, entre 1991 e 1993. “Desse modo, ambos os artistas já lidavam com a multiplicação dos seus trabalhos, muito antes de serem copiados”, diz ele. 

 

Mesmo que controvertidas, as “cópias originais” de Von Ha foram avalizadas pelas famílias dos dois artistas, responsáveis por seus espólios, mas todas as vendas devem ser reportadas. Paradoxalmente, todos os desenhos copiados pelo artista devem ser catalogados junto ao Projeto Lenilson ou à família de Tarsila do Amaral. O projeto ganhou também o aval do Museu de Arte Contemporânea da USP, que adquiriu o desenho “A Negra do Google” (2011) – comprado pelo shopping Iguatemi e doado ao museu –, para se juntar ao desenho original “A Negra”, de 1923, que pertence ao MAC. “Projeto Tarsila (Retrato), Raisonné” (2011) e “Auto-Retrato I e II” (2010) foram doados pela galeria Leme e pelo artista ao museu. “A aquisição do MAC é um acontecimento que só vem acrescentar ao processo, já que o museu é um lugar que supostamente guarda os originais”, diz Von Ha.

 

A presença dessas obras no MAC, de fato, fecha um ciclo de transformação de cópias em originais. “O museu entendeu que a obra de Von Ha, além de fazer explodir aquelas noções de autoria às quais estamos acostumados, abre, ao mesmo tempo, possibilidades para pensar criticamente a questão da formação do artista no âmbito da tradição da arte. Lembro aqui do trabalho estimulante de Felipe Cama que também discute o problema. O Iguatemi também doou ao MAC – por solicitação do próprio Museu – uma obra de Cama para o acervo”, afirma Tadeu Chiarelli, diretor do MAC.

 

Colaborou Nina Gazire

 

 

veja matéria na íntegra aqui.

 

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