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Alegoria da Contaminação

A arte pode ser vista como uma equação com diversos componentes diferentes, um deles é a alegoria. Os artistas podem rebaixar alguns elementos desta equação e podem evidenciar outros. As obras de arte quase sempre têm todos os elementos, o que muda de obra para obra é qual elemento é priorizado. Há obras em que a alegoria é reduzida a quase nada e há obras cujo discurso é quase todo alegórico. 

 

 

Olhando-se para as obras de Gustavo von Ha pode-se pensar no papel da mulher em busca de poder e afirmação, a mulher que pega em armas para roubar e conseguir bolos de dinheiro, a mulher de peruca que ri no meio da fumaça de cigarro, que dirige carros esportivos, mas não parece ser essa a verdadeira alegoria de seus trabalhos. 

 

 

Quando Gustavo mostrou seus desenhos fac-símiles espelhados de Tarsila do Amaral e de Leonilson, feitos em papéis antigos, em junho de 2012 na Galeria Leme, estava falando da mesma questão que fala agora. Não era só sobre a originalidade ou autenticidade da obra de arte, muito menos sobre apropriação, mas sim sobre a verdade e a ficção, sobre a vida e a arte, que falavam essas obras.

 

Os trailers, objetos de cena e cartazes que mostra agora se referem à filmes longa metragens que ainda não existem, à atores, produtores e equipes fictícios. Mas como saber se algum dia eles não existirão e por que quando os filmes que são apresentados em cinemas parecem ser produções verdadeiras?

 

 

A operação que existe aqui é a de contaminação, a alegoria da contaminação. Contaminar para mudar o sistema por dentro. Como fez Duchamp quando inscreveu sua Fonte em um salão de arte. Duchamp percebeu que não teria sentido fazer uma subversão fora do sistema da arte. A subversão teria de ser submetida ao julgamento de uma comissão, a qual ele próprio fazia parte.

 

 

Ao mesmo tempo essas obras falam de todas as outras contaminações, as doenças que afetam mais aos pobres, a comercialização da vida e da natureza. Contaminar para subverter e subverter para construir, destruir para construir, essa é a tradição da arte, é a tarefa do luto que se referia Yve-Alain Bois, artistas como ressuscitadores e enlutados:

 

 

"Focalizarei aqui um clamor específico: aquele da morte da pintura e, mais especificamente, da morte da pintura abstrata. O significado dele é ressaltado por duas circunstâncias históricas: a primeira é que toda a história da pintura abstrata pode ser lida como um desejo por sua própria morte; a segunda é a recente urgência de um grupo de pintores neo-abstratos, que têm sido apontados como os enlutados oficiais (ou eu deveria dizer ressuscitadores? Nós veremos que dá no mesmo)." (1)

 

 

 

Sergio Romagnolo

Junho de 2013

 

 

 

 

(1) Yve-Alain Bois, PINTURA: A TAREFA DO LUTO, tradução Taís Ribeiro, revista Ars, São Paulo, 2006, p. 98, http://www.revistas.usp.br/ars/article/view/2966/3656

               

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