VON HA inc.™
Loja temporária no Espaço Oscar 900, São Paulo, 2023
Todos nós hoje já adquirimos, num momento ou em outro, um produto online que nos foi vendido por meio de uma plataforma de comércio virtual. Não verificamos sua procedência, o modo de produção desse objeto. Nem mesmo nos damos conta de que a mercadoria poderia prover de uma empresa que explora mão-de-obra escravizada porque, no poço lodoso de informações que é a Internet, as interfaces dos chamados e- commerces locais são vinculadas a outras de plataformas globais, dificultando o rastreamento da responsabilidade (ou irresponsabilidade) social por parte do consumidor, que está na ponta dessa cadeia extensamente e intensamente ramificada. É possível comprar localmente, na esteira do incentivo ao pequeno comerciante? Sem dúvida, embora estejamos, na mais das vezes, apenas terceirizando a responsabilidade pelo consumo (in)consciente, dado que mesmo esses pequenos comerciantes estão sujeitos a comprar de atacadistas que, em algum momento, estarão à mercê da lógica em rede que opera online.
Uma das “dicas” para buscarmos contornar essa armadilha do consumo contemporâneo é comprarmos de quem produz em pequena escala e que apresenta sua cadeia produtiva de forma transparente. Nessa outra lógica, o raro é valorizado e igualmente infla-se seu equivalente em dinheiro.
Ou seja, pouco para poucos. Atentando para o cinismo consumista hoje, percebemos que tal regra rege ainda o mercado de luxo, que se sustenta pela raridade de suas mercadorias como capital simbólico para quem adquire seus objetos singulares. Estas não estão disponíveis para quem desejar; são privilégio dos escolhidos. Marcadores de classe Pradas e Vuittons de primeira linha são apenas para alguns, mas você pode se conformar com uma falsificação ou mesmo com as linhas de grande escala que estão disponibilizadas para as classes médias-altas do mundo. No entanto, nunca a sua bolsa vai se comparar com aquela que as primeiras linhas detêm porque essas não são para os olhos de qualquer um. Elas possuem casas e mãos prestigiosas.
O mercado de arte compartilha com o mercado de luxo essa sedução do único, do inédito, do exclusivo. Todos nós podemos ter um pôster de uma pintura de Van Gogh, porém suas pinturas são limitadíssimas, contadíssimas, inscritas na história da arte e validadas por inúmeros processos de expertises do meio artístico. Assim, falsificadores apenas poderiam existir num mundo que deseja ferozmente a exclusividade; do contrário, não teriam clientela.
A artista Andrea Fraser, em “L’1% C’est Moi”, afirma que “quanto maior a discrepância entre ricos e pobres, mais se elevam os preços nesse mercado”. Sua esperança está nos museus europeus que, segundo ela, desenvolver alternativas autônomas em suas organizações institucionais. (Nós aqui das terras decoloniais somos mais céticas em relação a essa aposta)(1).
Melhor nem nos lembrarmos do que acabou acontecendo com suportes artísticos que desejavam manter-se incomercializáveis – vendem-se performances, vídeos, artes digitais e intervenções urbanas ou rurais; não há limites para o novo.
Diante disso, poderíamos nos perguntar: Se o mercado de arte, em sua perspectiva de luxo, se fundisse com o Shein ou o Aliexpress que cara teria?
Essa é a pergunta que se faz Gustavo von Ha, cuja pesquisa artística já investigou a aura e a exclusividade na arte contemporânea, levando-o às falsificações e às encenações, aos trailers de filmes nunca gravados, às pinturas de artistas que nunca existiram. Realidade e ficção juntas. Agora sua “obra” é um e-commerce símile perfeito de qualquer outro, apenas diferenciando-se por alguns dos produtos que disponibiliza. Entre camisetas, aspiradores de pó e adereços sadomasoquistas, telas e esculturas constituem a marca VON HA™ e estão disponíveis a quem quiser e puder pagar. Meio projeto, meio galeria, meio chinês, meio Galeria Pagé, a plataforma VON HA inc.TM (www.von-ha.com) foi criada com todos os mecanismos que estruturam qualquer outra: serviços de produção, logística, design de produto e design digital etc. Tudo aqui é original. E não é.
Ana Avelar
crítica e curadora